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O presente ano promete ser desafiador para o sistema de Indicações Geográficas (IG) na União Europeia. Isto porque, em 2022, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de estudo e revisão da legislação do sistema de IG para produtos agrícolas, vinhos e bebidas alcoólicas [1], com o escopo de obter uma nova norma unificadora entre os estados até o final de 2023.
As indicações geográficas - mecanismo jurídico destinado à proteção de direitos relativos à propriedade intelectual -, identificam e registram produtos com suas qualidades, características ou notoriedades decorrentes de fatores naturais e humanos ligados à sua origem territorial. Entre as mais famosas, temos o queijo Parmigiano Reggiano, o Roquefort, o Champagne, o Prosecco e diversas outras. Elas constituem, assim, um direito de propriedade intelectual, reconhecido internacionalmente desde 1883 [2], destinado a promover a concorrência leal entre produtores, evitando usos de má-fé ou práticas fraudulentas e enganosas.
Num período em que o valor da matéria-prima agrícola aumentou desmesuradamente, principalmente devido à pandemia de Covid-19, as cadeias produtivas de qualidade, como as IGs, causam um forte impacto na atividade econômica, cultural e social das regiões onde estão inseridas. Os produtos IGs possibilitam, deste modo, que os produtores locais permaneçam em seu território de origem e busquem caminhos alternativos de salvaguarda da sua paisagem nas dimensões cultural, espacial, ecológica e econômica [3].
Nesse contexto, as IGs, além de fazer parte do patrimônio cultural e gastronômico de um país, vem desempenhando, nas últimas décadas, um papel cada vez mais relevante nas negociações comerciais locais e internacionais. Na Europa, por exemplo, as vendas de produtos agrícolas, alimentares e bebidas protegidos por Indicação Geográfica resultaram, nos últimos anos, um valor aproximado de venda 74.760 milhões de euros, representando 15,5% do total das exportações agroalimentares da União Europeia [4].
Contudo, apesar de atualmente, na União Europeia, existir mais de 3.459 IGs devidamente registradas - sendo 1.624 denominações de vinho, 1.576 de produtos alimentares agrícolas e 259 de bebida alcoólica –, com um sistema que cumpre uma função importante, a Comissão Europeia crê ainda na necessidade do seu maior fortalecimento visando melhor fornecimento de alimentos de alta qualidade e proteção dos produtos autênticos agrícolas e alimentares locais em todo o território [5].
Deste modo, a proposta de estudo e revisão da legislação do sistema de IG para produtos agrícolas, vinhos e bebidas alcoólicas apresentada pela Comissão Europeia, a ser desenvolvida em 2023, tem como principais objetivos: a difusão do sistema em todo o território, a melhora da proteção e do controle das IG, em particular no âmbito da venda on-line, que vem se tornando um canal cada vez mais relevante e, por fim, a unificação, simplificação e aceleração dos procedimentos de registros das IGs juntos aos órgãos competentes.
Outro ponto relevante da reforma é propiciar uma maior atenção na questão da sustentabilidade, consequência direta da política europeia Farm-to-Fork (“da fazenda ao garfo”), aprovada em 2022 pelo Parlamento Europeu [6], que visa, em dez anos, a implantação de um sistema alimentar voltado para medidas e objetivos que envolvem toda a cadeia alimentar, desde a produção, distribuição, até o consumo final.
A competitividade dos produtos agroalimentares europeus está intimamente ligada ao conceito de qualidade e a sua proteção é uma componente fundamental das políticas da União Europeia. Nesse contexto, parece que 2023 será um ano de muito trabalho para o setor. Espera-se que do estudo e da revisão da legislação do sistema de IG proposta pela Comissão Europeia surjam iniciativas interessantes e concretas que possam melhorar os padrões e qualidade alimentar, aprimorando a defesa do patrimônio cultural, gastronômico e local, por meio de uma certificação célere e eficaz dos produtos típicos europeus.
Anita Mattes, Doutora pela Université Paris-Saclay, Mestre pela Université Panthéon-Sorbone, Professora nas áreas de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca, Conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)
Notas
[2] Ver em: https://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris
[3] Veja mais sobre o assunto em tese de doutorado de Henrique Budal Arins, defendida em 19/12/2022, na UNIVILLE (Universidade da Região de Joinville) com o tema “Tensão nas narrativas de (des)uso da paisagem cultural: comunicação e sustentabilidade na denominação de origem da banana da região de Corupá”.
[4] Veja “Estudo sobre o valor econômico dos regimes de qualidade da UE, indicações geográficas (IGs) e especialidades tradicionais garantido (TSGs)”, https://www.qualivita.it/wp-content/uploads/new/2020/04/20200420_VALORE-DOP-IGP-COMM.-UE.pdf
[6]Disponível em: https://ec.europa.eu/food/system/files/2020-05/f2f_action-plan_2020_strategy-info_en.pdf
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