“O povo que não se lembra do passado está condenado a repeti-lo” [1], pois a sua memória histórica tem como elemento essencial, não somente o respeito às vítimas, mas o direito da sociedade de conhecer a verdade para a reconstrução da sua identidade.
Assim, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1° de novembro de 2005, durante a sua 42ª Reunião Geral, por meio da Resolução 60/7 [2], reafirmando os termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, designou o 27 de janeiro como o Dia Internacional de Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto - data internacional visando lembrar os milhões de vítimas do Holocausto e dos crimes de guerra cometidos pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
A escolha desse dia se deu em decorrência da libertação do campo de concentração e do extermínio nazista de Auschwitz-Birkenau, pelas tropas soviéticas, em 27 de janeiro de 1945. Todo ano, assim, diversas homenagens, ao redor do mundo, são prestadas à memória das vítimas do Holocausto, buscando reconhecê-lo como uma tragédia universal, de modo a garantir que as atrocidades do passado nunca sejam esquecidas e, ao mesmo tempo, reafirmar o compromisso de combater todas as formas de intolerância e de violência racial, política e social.
Apesar do passado doloroso, a luta contra o ódio, o racismo e a intolerância continua sendo não apenas uma obrigação histórica, mas uma necessidade urgente e oportuna. Nos últimos anos, estamos testemunhando um aumento alarmante da intolerância e da violência racial ao redor do mundo, atingindo a democracia.
O atual contexto político é complexo e marcado pela polarização e pelos conflitos ideológicos. O antissemitismo, o racismo e o nacionalismo exacerbado, por exemplo, continuam a ser uma ameaça para a paz mundial. O planeta parece estar à beira de uma nova ordem geopolítica, com o surgimento de tensões e desafios aos princípios democráticos.
Nesse contexto, tal data não é apenas uma oportunidade para lembrar a devastação causada pelos nazifascistas, mas também para refletir sobre as lições que ainda precisamos aprender para um futuro melhor. Assim, inúmeras iniciativas e manifestações têm sido criadas para honrar as vítimas e educar as novas gerações sobre os horrores dessas violências e do genocídio associado.
Uma delas é o projeto Stolperstein [3], uma proposta artística que leva a reflexão sobre o extermínio de judeus, ciganos, homossexuais, prisioneiros políticos e outras vítimas do regime nazista diretamente para as ruas – atualmente, em mais de 1200 lugares: na Alemanha, Áustria, Bélgica, Croácia, República Tcheca, Finlândia, França, Grécia, Itália, Hungria, Lituânia, Luxemburgo, Moldávia, Holanda, Noruega, Polônia, Romênia, Rússia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suíça e Ucrânia.
Criado pelo artista alemão Gunter Demnig, em 1992, o projeto Stolperstein, que significa “pedra de tropeço” em alemão, consiste em inserir pequenas placas de latão diretamente na calçada, em frente às casas de pessoas que foram vítimas do regime nazista. Cada placa contém o nome da vítima, a data de nascimento, a data de deportação com o respectivo destino (campo de concentração ou morte).
Para o artista, “uma pessoa só é esquecida quando seu nome é esquecido” e as stolpersteines em frente às casas constitui um importante registro que lembra a memória das pessoas que ali viveram: “Uma pedra. Um nome. Uma pessoa”.
A ideia é simples, mas profundamente impactante: “história não deve ser relegada somente aos livros ou museus, mas deve ser vivenciada no cotidiano, nas ruas onde as tragédias ocorreram” [4]. Assim, ao nos depararmos na rua com uma “pedra de tropeço”, somos quase que obrigados a parar, a refletir, conhecer e lembrar das histórias das vidas interrompidas de maneira brutal ali naquele exato lugar.
Enquanto o Dia Internacional de Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto oferece um momento de reflexão formal, institucional, marcado por cerimônias e discursos, os movimentos artísticos, como o Stolperstein, oferecem uma reflexão cotidiana, constante e íntima.
Em um mundo cada vez mais marcado por polarizações e intolerâncias, tais iniciativas são relevantes, não apenas por serem uma forma de preservar o passado, mas também um chamado de urgência para garantir que os erros da história não se repitam. A reflexão e o aprendizado contínuo sobre esses eventos históricos são essenciais para que, como sociedade, possamos identificar e combater o preconceito e a intolerância antes que se tornem tão devastadores quanto no passado.
Recordamos a memória das vítimas do holocausto em 27 de janeiro!
Anita Mattes, Doutora pela Université Paris-Saclay, mestre pela Université Panthéon-Sorbone, professora nas áreas de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca e conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)
Notas: [1] A frase pertence ao famoso escritor e filósofo americano George Santayana, retirada do livro The Life of Reason, book 1, MIT Press, 1905 e seria: “Those who cannot remember the past are condemned to repeat it".
[2] The Holocaust and the United Nations Outreach Programme, Nações Unidas, 1º novembro de 2005; em: https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n05/487/96/pdf/n0548796.pdf.
[3] Veja https://www.stolpersteine.eu/en/home
[4] Veja https://www.stolpersteine.eu/en/home
Comentários