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A deusa Thêmis e a Lei Rouanet: a razoável duração do processo



A Secretaria Especial de Cultura estabeleceu meta, por meio da Portaria nº 24, de 22 de dezembro de 2020, que culminava na redução de um terço o número de projetos aprovados por período (1). Existe um evidente represamento nas diversas fases de aprovação e que tem sido profundamente sentido por artistas, produtores e demais trabalhadores da Cultura (2).


O objetivo deste artigo é demonstrar que o Poder Judiciário, aqui representado pela deusa Thêmis, pode e deve ser um caminho para a efetivação do direito à cultura, por meio de um outro direito fundamental, que é o da duração razoável do processo, demonstrando inclusive, brevemente, precedente judicial obtido em favor de Organização Social de Cultura no Estado do Ceará, o Instituto Dragão do Mar.


Inicialmente, cumpre explicar os principais elementos legais que envolvem o pleito em questão. A nomenclatura “Lei Rouanet” não é mais usada de forma oficial desde 2019, mas continua sendo bastante popular para referir-se à Lei Federal nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, conhecida como Lei de Incentivo à Cultura ou “Lei Rouanet”, que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).


De acordo com o professor Humberto Cunha Filho (3), o Pronac mostra-se como verdadeiro instrumento normativo que vem anunciar a construção de um Sistema Nacional da Cultura, que mais adiante viria a ser positivado constitucionalmente pela Emenda Constitucional nº 71/2012.


Trata-se de dar efetividade aos direitos fundamentais previstos nos artigos 215, 216 e 216-A, da CRFB/88, bem como pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. O Pronac, porquanto, se propõe, dentre outros, a garantir o acesso às fontes de cultura, a promover a regionalização da produção cultural brasileira, a proteger as expressões culturais e do pluralismo nacional, o florescimento dos modos de criar, fazer e viver da população, a preservar o patrimônio cultural e, principalmente, a estimular a produção e a difusão dos bens e serviços culturais.


A importância deste mecanismo é incomensurável, como pode ser observado adiante.

Em novembro de 2020, o Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural, que monitora a evolução econômica da indústria criativa no Brasil com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, mostrou que um em cada dois profissionais da Cultura perdeu trabalho naquele ano.


Em uma comparação ao período entre junho de 2019 e o mesmo mês de 2020, houve uma queda de 49% de indivíduos trabalhando no segmento; de 659,9 mil profissionais ligados ao setor, o número caiu para 333,7 mil postos. Se considerados os trabalhadores informais e os profissionais dos serviços indiretos ligados à Cultura, o impacto certamente reflete-se sobre milhões de profissionais desamparados (4).


Por esta razão, este retardamento nos projetos demonstra-se como uma grave violação aos direitos dos brasileiros. Como resistir? O Poder Judiciário (5) deve ser conclamado pela sociedade civil para garantir a efetivação de direitos fundamentais, em especial os direitos culturais e o da duração razoável do processo.


Vejamos um caso concreto: o projeto "Laboratório de Criação Porto Iracema das Artes", do Instituto Dragão do Mar, já havia captado o valor de 44,1% do valor total do projeto, superando o mínimo de 20% exigido para a movimentação do recurso. No entanto, o projeto ficou mais de seis meses parado sob diversos questionamentos. Todo mês um novo questionamento não suscitado anteriormente surgia.

Ora, o art. 5º, LXXVIII, da CRFB/1988 estabelece: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Ora, no mesmo sentido desta garantia, a Instrução Normativa vigente à época estabelecia prazos máximos para a apresentação de respostas à análise, como poderia ser observado, por exemplo no art.23, § 2º. A Nova IN 01/2022 também o faz, estabelecendo por exemplo prazo máximo de análise das propostas culturais e prazo para análise técnica definitiva (6).


Foi com este embasamento que, mediante ação movida pelo referido Instituto, o Poder Judiciário estabeleceu prazo máximo para que fosse realizada análise técnica conclusiva com vistas à homologação da execução sem mais poder suscitar diligências como condicionantes para o prosseguimento do feito e determinando que fosse realizada com base em critérios objetivos, devidamente justificados e apresentados em juízo (7).


Esta decisão possibilitou na sequência o início da execução do projeto, mediante a transferência dos valores para a conta movimentação; enfim, a utilização dos recursos já captados. Desta forma, assim como este precedente exposto, é direito de cada proponente a duração razoável dos processos administrativos que envolvam recursos do Pronac, sendo ilegítimas quaisquer delongas desnecessárias ou solicitações irrazoáveis por parte da Secretaria Especial de Cultura, o que garantirá a concretização dos direitos culturais, em especial o direito ao acesso às fontes de cultura, à promoção da regionalização da produção cultural brasileira e à proteção as expressões culturais e do pluralismo nacional.


*André Brayner, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Possui atuação científico-jurídica preponderante nos campos relacionado ao Direito Internacional, Direitos Culturais e Terceiro Setor. Professor de Direito. Diretor do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)


Edson Alves, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Professor da Faculdade Vidal. Advogado.

1. Como se vê, a Secretaria Especial de Cultura estabeleceu “meta” de análise mensal de 120 novas propostas por mês. Ou seja, 720 por semestre. 1.440 por ano. Salta aos olhos, primeiramente, que a suposta “meta” revela em verdade uma declaração ostensiva de intenção de ineficiência, uma assunção de que está sendo adotada uma “operação tartaruga” no setor. É que, conforme dados extraídos do Salic, apresentados anteriormente, no ano de 2020 foram aprovados 4.492 novos Projetos. Assim, fica absolutamente clara a deliberada intenção da Secretaria Especial de Cultura de reduzir para um terço o número de Projetos aprovados por período. Ora, qual outra justificativa poderia haver, senão essa, para a fixação de uma “meta” que corresponde a um terço da capacidade de operação do ano anterior? Metas são instituídas para se aumentar a produtividade, não para se reduzir! [Ordem dos Advogados do Brasil. Ação Civil Pública. Processo:1027677-70.2021.4.01.3400. Petição Inicial. Disponível em: file:///Users/andrebrayner/Downloads/Inicial-ACP-CFOAB-Lei%20de%20incentivo%20a%CC%80%20cultura-Ilegalidades-11-05-21%20(2).pdf ]


2. Prova cabal de que está sendo deliberadamente limitada a análise e aprovação de novos Projetos é que, conforme dados extraídos do Salic, há hoje um estoque de 848 Projetos já com análise de admissibilidade concluída, com no mínimo 10% do valor aprovado captado, e que aguardam parados nas Unidades Vinculadas, sendo que 244 desses aguardam conclusão desde 2020. Há ainda um represamento na fase inicial de análise: também conforme dados do Salic, existem hoje 1.566 Propostas que foram enviadas à Secretaria de Cultura e estão pendentes de análise de admissibilidade, isto é, aguardam apreciação para conversão em Projetos Culturais. [Ordem dos Advogados do Brasil. Ação Civil Pública. Processo:1027677-70.2021.4.01.3400. Petição Inicial]


3. CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Federalismo Cultural e Sistema Nacional de Cultura: contribuição ao debate. Fortaleza: Edições UFC, 2010, p. 51.


4. Ordem dos Advogados do Brasil. Ação Civil Pública. Processo:1027677-70.2021.4.01.3400. Petição Inicial. Pág.8.


5. Thêmis é a deusa grega da Justiça. Para os romanos, era conhecida como Justitia. Era vista por todos como a personificação da justiça, daí o uso para identificar o Poder Judiciário neste artigo.


6. INº 1, de 4 de fevereiro de 2022: “Art. 26 As propostas culturais (Anexo I) apresentadas no Salic passarão por análise de admissibilidade, composta pelas seguintes etapas: “[..] § 5º O prazo máximo de análise das propostas culturais é de 90 (noventa) dias, podendo ser ampliado para até 180 (cento e oitenta dias) quando se tratar de projetos de restauração do patrimônio histórico ou construção de imóveis, conforme a característica do projeto e a complexidade da obra. [...] Art. 29 A unidade de análise técnica, vinculada, deverá analisar o projeto no prazo de trinta dias do recebimento, sem prejuízo das eventuais suspensões previstas nos §§2º e 3º do art. 80, desta Instrução Normativa”.


7. Ação de obrigação de fazer. 4ª Vara Federal - Secretaria Judiciária do Ceará. Processo número 0808910-19.2021.4.05.8100 Parte (s): Fundação Nacional de Artes - Funarte; Secretaria Nacional de Cultura (SNC), Parte (s): Instituto Dragão do Mar e outros.

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