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A gente vai sorrir sim 

Foto do escritor: Blog OpiniãoBlog Opinião


A taça do mundo é nossa! Perdão, Fernanda, foi impossível evitar o clima de Copa do Mundo com a apoteose do Carnaval sendo o primeiro Oscar do Brasil, ainda mais porque há 23 anos estamos a descer a ladeira de um lugar chamado “país do futebol” – a paixão pode até ser diária, mas o 7x1 pra Alemanha em 2014 foi a gota d’água internacionalmente, ainda mais porque a derrota foi em casa –, e, nessas mais de duas décadas, uma parte da nossa identidade futebolística também foi ficando pelo caminho, afinal, o que deságua em quem somos, ou nos atravessa e atropela e continua a pulsar em nós, além de acontecer pelo exercício da memória, também precisa de um reforço mais consistente de tempos em tempos. 

 

Dizer que a vida presta talvez seja um pouco demais, até porque a gente sabe bem que isso aí tá muito mais pra estratégia de branding do Itaú – que, convenhamos, fez um excelente trabalho de rebranding em seu centenário, destacando justamente sua presença no imaginário nacional –, mas faço um esforço pra concordar em parte, muito mais pelos acontecimentos que tornaram o prêmio tão sonhado possível do que por esperança. 

 

O Oscar é nosso, pelo brilhantismo de Walter Salles, pelo talento e carisma de Fernanda Torres, pelo “ainda estou aqui” não falado no filme, mas estrondoso na interpretação silenciosa e transcendente de Fernanda Montenegro, pela alegria transmitida por Selton Mello ao resumir perfeitamente quem foi Rubens Paiva, pelo elenco selecionado a dedo, e por tantos outros motivos preciosos ligados à arte, não apenas à sétima. 

 

Mas o Oscar também é nosso porque uma das vítimas da ditadura, presa e torturada, presidiu o Brasil e instalou a Comissão Nacional da Verdade, cujo relatório foi publicado no ano em que o golpe militar completou meio século, mesmo ano em que Rubens Paiva, morto, recebeu o prêmio Vladmir Herzog de jornalismo, justamente o ano em que não sabíamos se assistíamos ao replay do gol da Alemanha ou se já era outro gol – ainda queremos esquecer o vexame da Copa do Mundo de 2014, mas, especialmente naquele ano, éramos alertados da importância de lembrar tantas outras coisas. 

 

Dilma Rousseff pagou o preço pela audácia. Ouso dizer que valeu muito a pena, e aqui nem de longe estou a falar do Oscar. Sem a Comissão Nacional da Verdade não saberíamos quem foi o responsável pela morte de Rubens Paiva: José Antônio Nogueira Belham, ex-general reformado do Exército brasileiro, agraciado com um escracho no dia 24 de fevereiro último. Também não saberíamos que fim deram ao corpo, lançado ao mar preso a uma roda de caminhão – inclusive, a cena inicial do filme, com Eunice no mar observando um helicóptero, é referência aos “voos da morte”. 

 

Sem a Comissão Nacional da Verdade também não existiria o livro Ainda Estou Aqui, palavras do autor, Marcelo Rubens Paiva. E se Lula não tivesse ganhado a eleição de 2022, cujo adversário foi Jair Bolsonaro, abertamente nostálgico pela ditadura e pelas torturas, além de fomentador desses ideais, não haveria o filme, segundo declaração do próprio diretor, Walter Salles. 

 

Celebrar nosso primeiro Oscar calhou de ser um ato político, um ato de memória, e comemorado na época mais alegre e propícia do ano, afinal, em que outro momento veríamos uma enorme versão de Fernanda Torres puxando o Desfile dos Bonecos Gigantes do Carnaval de Olinda? Quando mais o resultado da premiação do Oscar seria transmitido na Sapucaí? A taça do mundo é nossa, o Oscar de Melhor Filme Internacional, além de recuperar um orgulho muito único, puro suco de Brasil, é uma celebração à grandeza de Eunice Paiva e à luta por memória e verdade, acima de tudo a memória e a verdade de um país vítima de ditadura. Então a gente vai sorrir sim! 

 

Cibele Alexandre Uchoa, Escritora e Pesquisadora. Mestre e Doutoranda em Direito Constitucional pela UNIFOR com bolsa da Funcap. Sócia-fundadora do IBDCult 

 

 

 
 
 

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