Os shows e demais espetáculos que geram aglomerações estão proibidos, até segunda ordem no Brasil. É assim em quase todo o mundo.
Como consequência do isolamento social ocasionado pela pandemia de COVID-19, o número de transmissões ao vivo nas redes sociais e plataformas digitais, as chamadas “lives”, explodiu. São tantas performances em tempo real que tem até “congestionamento” na hora do rush.
O que até então tinha um caráter improvisado, agora ganha ares cada vez mais profissionalizados.
O mercado de entretenimento, especialmente o da música, capturou rapidamente o potencial das lives e está tentando replicar e explorar economicamente esse formato.
Essa é uma das alternativas que parte da cadeia produtiva do segmento encontrou para sobreviver em tempos de crise e isolamento. Uma grande fatia da indústria fonográfica, destaque-se, já tinha se adaptado aos meios digitais, especialmente ao streaming, desde a ruptura trazida pelo caso Napster.
Sobre esse tema, vale a leitura do livro “Da Rádio ao Streaming”, licenciado em Creative Commons pelos autores, e que muito provavelmente deveria ganhar uma segunda edição, pós-COVID, rebatizada de “Da Rádio às Lives”:
Link da obra na íntegra:
No início da quarentena houve bastante crítica em relação às transmissões de artistas que se valiam de uma grande estrutura de produção, envolvendo um grande número de profissionais, o que, após duras críticas, foi devidamente ajustado. Atualmente, já existe um certo padrão e protocolo na produção dessas apresentações.
E não são apenas os artistas, em conjunto ou isoladamente, que têm se apropriado das lives como meio de difusão de suas obras e performances.
A Rede Globo, uma das gigantes do entretenimento, absorveu esse formato em sua programação de TV aberta e fechada, numa autêntica experiência transmídia, o que, vale lembrar, está plenamente de acordo com a transformação digital anunciada pela empresa meses atrás.
E com esse boom das lives, apareceram as questões jurídicas sobre direito da cultura e do entretenimento. A mais óbvia diz respeito aos direitos autorais – que sempre reaparece, não importa o formato, como nos ensina a obra citada anteriormente – e que pegam muitos artistas desprevenidos.
Como é perceptível, muitas acontecem via transmissão pelo Youtube, pois ali já existe todo um sistema próprio de monetização de obras audiovisuais, através dos canais e visualizações.
O que é mais interessante, do ponto de vista jurídico, é que existem regras internas, autônomas, próprias da comunidade de usuários do Youtube, o que não necessariamente se orienta pela nossa desatualizada Lei de Direitos Autorais.
O Google criou um algoritmo chamado Content ID, que vasculha e filtra aqueles conteúdos que violam direitos autorais no Youtube. Ele já é bastante utilizado pelos produtores de conteúdo, que podem derrubar o canal ou mantê-lo, desviando apenas a monetização para quem reivindica ser o titular dos direitos patrimoniais de autor.
Um exemplo disso está acontecendo agora com certos DJ`s que estão reproduzindo obras e fonogramas protegidos por direitos autorais em suas lives, o que é facilmente detectado pelo Content ID e, consequentemente, tem o seu vídeo desmonetizado ou derrubado.
Os titulares dos direitos autorais normalmente escolhem a desmonetização, carregando verba de publicidade também, o que vem sendo alvo de protestos dos DJ`s que reivindicam ser injusto tal procedimento.
Antes que alguém questione a falta de legitimidade dos DJ`s, do ponto de vista estético, em reivindicar autoria, sugiro ver o filme “RIP: a Remix Manifesto”, que mostra o DJ Girl Talk criando uma obra singular com base em milionésimos de segundos de criações de terceiros protegidos por copyright.
O filme, que é uma ótima pedida para fugir um pouco das lives, também está licenciado em Creative Commons, no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=quO_Dzm4rnk.
Independentemente desses mecanismos internos do Youtube, vale lembrar que as transmissões ao vivo, são consideradas execuções públicas de músicas e, portanto, é devido o pagamento ao ECAD, em conformidade com a decisão do STJ no caso OI FM versus ECAD de 2017, que versava sobre o streaming e novas modalidades.
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Mário Pragmácio
Presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais
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