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Cultura: Elemento de integração e desenvolvimento dos povos


Imagem: Pixabay


Ao considerarmos a função de mediador global que exerce a Unesco em matéria de Educação, Ciência e Cultura, elementos interdependentes que podem ser direcionados para um autêntico desenvolvimento humano ou servir aos interesses de mercado, percebemos que os mesmos elementos podem ser reprodutores dos interesses de expansão e acumulação do capital, contrários a uma vida humana digna em sua multidimensionalidade.

Nesse sentido, vale lembrar que entre as finalidades da Unesco está a busca por uma harmonia universal de convivência entre os povos, estabelecida em valores de paz que se expressam por meio de ações que manifestam respeito, cuidado, responsabilidade e reconhecimento do outro como reflexo de uma ideologia humanista que saiu fortalecida após a Segunda Guerra Mundial.


Entretanto, desde o seu nascimento, este projeto de comunhão global sofre com as polarizações e contradições que também advém do pós-guerra e se manifestam a partir da posição que os países tomaram em relação aos Estados Unidos da América ou à ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Daí poder se afirmar que a Guerra Fria trouxe uma fissura na estrutura indivisível dos direitos humanos.


Já na constituição da Unesco, na Conferência de 1945, essa polarização se revela na constituição do comitê de redação que se expressa sem a presença da URSS, permitindo que a doutrina ocidental da liberdade de expressão (ou de informação) ganhasse proeminência na elaboração das políticas internacionais, prevalecendo o imperialismo estadunidense, em suas dimensões ideológica, cultural e econômica, próprias do sistema do capital vigente.


Em sua caminhada histórica, os documentos da Unesco procuram chamar atenção para as necessidades de países considerados subdesenvolvidos, muitos saídos do colonialismo do início do século XX, a fim de que suas carências pudessem ser atendidas com maior eficácia ao serem conjugadas à preservação de suas identidades culturais. A estratégia, para tanto, foi à promoção de políticas públicas que garantissem ou garantam a diversidade cultural e o fortalecimento dos direitos humanos no âmbito interno, em um contexto de valorização do desenvolvimento autóctone.


Para a efetividade de realização da emancipação e empoderamento dos pobres, das comunidades minoritárias nacionais, das vítimas de violações, por fim, dos que realmente necessitam da integralidade dos direitos humanos, inescapavelmente, é preciso entender os mecanismos de atuação da cultura e de sua diversidade, quer na região interamericana, quer no mundo em sua perspectiva global, pois são tais expressões que fomentam as particularidades – mentais, afetivas e de modos de agir – individuais e coletivas, no mesmo tempo que possibilitam um diálogo fecundo em busca da unidade humana na diversidade cultural, fundamentada, principalmente, no respeito e cuidado pelo outro.


A partir da livre participação e aceitação dos documentos normativos produzidos na esfera supranacional, o Estado assume obrigações convencionais que, no nosso entender, não devem ser exigidas e cumpridas apenas entre os atores internacionais; pois, por se tratar de norma de direitos humanos, também se torna parâmetro de convencionalidade para análise da adequação dos atos dos agentes públicos, e, principalmente, instrumento dialógico com a ordem jurídica nacional e demais estatutos normativos interamericanos para garantia da efetividade dos direitos dispostos convencionalmente em harmonia com os direitos fundamentais.


Assim, o espírito de cooperação e responsabilidade para com os outros membros da Unesco, como preconizado por seus documentos em matéria de cultura, também deve ser o mesmo para animar o Estado brasileiro a reproduzir tais condutas aos integrantes de sua sociedade de forma simétrica, isto é, o Brasil deve aplicar os mesmos fundamentos em suas ações de proteção e promoção dos múltiplos valores e expressões culturais encontradas no país, de modo a efetivar os direitos culturais inerentes a todos, como característica própria de um autêntico Estado pluricultural e multinacional, como o Brasil pode ser considerado sob o ponto de vista étnico-cultural.


Na ambiência contemporânea mundializada, direitos humanos podem ser considerados instrumentos legítimos (apesar de não exclusivos) para efetivação de uma existência digna da pessoa humana, ao proporcionar o desenvolvimento pessoal e social adequado a partir da oferta de bens materiais e imateriais necessários para capacitar as pessoas a traçar seus planos de vida e realizá-los oportunamente em harmonia com os de outros. Além disso, podem tais direitos também favorecer o diálogo entre diferentes manifestações culturais (inclusive jurídicas) a partir da busca conjunta pelos elementos essenciais comuns.


Logo, em um contexto de intensa globalização em suas múltiplas dimensões – de capitais, de tecnologia e de pessoas – por mais que se tenham ampliado e intensificado as vias de diálogo, as soluções locais para alcançar a plena realização da pessoa humana, valorizando e fortalecendo suas capacidades, passam necessariamente pela qualidade das relações interestatais e interinstitucionais, somadas ao potencial de colaboração e do estabelecimento de responsabilidades mútuas para fazer frente aos desafios e conflitos inerentes ao relacionamento entre povos e nações em escala também globalizada.


Como postulado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a cultura, assim como a educação e a ciência, é um dos pilares para o desenvolvimento humano e social, na perspectiva de promoção e realização da dignidade humana, além da pacificação pessoal, comunitária e mundial, como dimensão da busca pela justiça social, de modo que a liberdade de expressão na vida cultural pode ser considerada um pressuposto para o usufruto pleno do direito à vida, uma vez que não há vida humana que não se estruture e nem se desenvolva sob os influxos da cultura que a envolve.


Marcus Pinto Aguiar, mediador de conflitos (NUPEMEC/TJ-CE), advogado, doutor em Direito Constitucional com pós-doutorado pela UNB/FLACSO Brasil, professor da Faculdade 05 de Julho (F5) e do Mestrado em Direito da UFERSA, membro-fundador do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

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