*Imagem: Priscila Costa; GuiAlvim; Fabio Faromasa; CC BY
O número 11 da Revista Observatório Itaú Cultural é inteiramente dedicada ao Direito da Cultura. É um excelente material de iniciação ao tema, com entrevistas, artigos e revisão de literatura. No artigo de Humberto Cunha para essa revista, denominado Direitos Culturais no Brasil [1], o autor chama atenção para a existência dos deveres culturais. O leitor deve estar se perguntando: deveres culturais? Na recente teoria jusculturalista, pouco se fala sobre o inverso dos direitos culturais. Talvez porque estamos dedicados a entender como garantir os poucos direitos que já reconhecemos. Mas, sim, os deveres culturais existem. A noção de deveres culturais, como ensina Humberto Cunha, é tão basilar que não é necessário ser um conhecedor do campo para compreendê-la: os direitos (culturais) correspondem a deveres (culturais). Um bom exemplo é o direito cultural de fomento à cultura, previsto no art. 215 da Constituição Federal de 1988, que, quando realizado com verba pública, gera o dever de prestação de contas. Mas é período de recesso e ninguém gosta de lembrar das obrigações que estão por vir, principalmente no setor cultural. Ainda estamos nos recuperando da catástrofe que foi 2020. Porém é preciso trazer a notícia ruim: pode ser que piore. E isso pode vir justamente através da corda que salvou muita gente no ano da pandemia: a Lei Aldir Blanc (LAB), Lei 14.017/2020, que acabou de ter seus prazos alterados. Após intensa mobilização, o Presidente da República aprovou, em 29 de dezembro de 2020, a medida Provisória 1.019, que prorrogou a LAB. Na prática, a MP permite que estados e municípios possam pagar os recursos já empenhados em 2021. Sem dúvida, foi um ato necessário. Os mais incautos podem enxergar a prorrogação (e a própria sanção) da Lei Aldir Blanc como um ponto cego da política cultural do atual governo federal, ou seja, algo extremamente positivo que escapole à tentativa de utilização da cultura a serviço de um projeto autoritário de poder. No entanto, a LAB corre grande perigo de ser utilizada como desculpa para a criminalização do setor cultural – algo que a gente já viu acontecer em outros momentos, como a Lei Rouanet – só que em proporções continentais. Os diversos municípios que aceitaram, em ano eleitoral, a jornada insana de implementação da LAB sentirá o peso da prestação de contas previstas para 2021. Os gestores públicos que se entremearam nos labirintos e obstáculos jurídico-administrativos sabem exatamente o que isso significa. A prestação de contas da LAB não virá em forma de um simples dever cultural, mas, sim, de um subterfúgio para criminalizar o setor. Há quem diga que a mesma corda que salvou a produção cultural este ano servirá para nos enforcar em 2021.
Mário Pragmácio - Professor do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da UFF, Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), mestre em Museologia e Patrimônio, especialista em Patrimônio Cultural e doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional
Notas [1] Ver: https://issuu.com/itaucultural/docs/observatorio_11/36?ff
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