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Diretriz e Recomendação do Judiciário para garantir os direitos aos indígenas no Brasil 


Imagem: Pixabay

 

O que ainda falta para garantir adequadamente os direitos aos indígenas no Brasil? Ou, como celebrar apropriadamente o “Dia dos Indígenas? Para compreender esta questão, busca-se aqui trilhar, em breve e restrita síntese, o percurso da interrelação entre os tratados internacionais de direitos humanos (normas convencionais) e os direitos fundamentais (normas constitucionais) no Brasil, que indica, como marco normativo regional, que em 1992, por meio do Decreto nº 678/1992, o Estado brasileiro decidiu pelo acolhimento da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) ao sistema jurídico nacional, implicando na ampliação do rol dos direitos e garantias fundamentais, conforme previsão do parágrafo segundo do artigo 5º da Constituição Federal. 

 

Pouco depois, em dezembro de 1998, reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, promulgando a declaração de reconhecimento da competência obrigatória do Tribunal regional por meio do Decreto nº 4.463/202), isto é, aceita se submeter às decisões da Corte, intérprete último da Convenção Interamericana. 

 

Nesse contexto, a ampla maioria da doutrina qualificada em matéria de direitos humanos, entre eles Cançado Trindade e Flávia Piovesan, entendia (e ainda entende) que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados e em vigor no Brasil têm hierarquia constitucional.  

 

Todavia, em 2000, o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do RHC nº 79.785-RJ, introduziu o tema do caráter supralegal dos referidos tratados, posicionando-os hierarquicamente abaixo da Constituição Federal e acima das demais espécies legislativas 

 

Já em 2004, por ocasião da Emenda Constitucional nº 45, denominada “reforma do judiciário”, foi introduzido o parágrafo 3º do artigo 5º, na Constituição Federal, que atribui status de emenda constitucional apenas aos tratados em matéria de direitos humanos aprovados com o quórum para aprovação das Emendas Constitucionais, gerando inúmeras críticas, inclusive de inconstitucionalidade do referido parágrafo. 

 

E, em 2008, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-SP, proferiu decisão paradigmática, ao atribuir aos tratados de direitos humanos a posição hierárquica-normativa de supralegal, em princípio, aparentemente, uma evolução do entendimento do STF – que considerava tais tratados como de equivalência hierárquica às leis federais – revelou, em nosso entendimento, uma debilidade frente à tese mais pertinente com a temática dos direitos humanos – a de status igualmente constitucional, podendo, inclusive, serem parâmetros de controle de constitucionalidade. 

 

Outro marco relevante, acerca do tema aqui proposto, deu-se em novembro de 2015, quando presidentes e representantes dos tribunais brasileiros, reunidos em Brasília durante o 9º Encontro Nacional do Poder Judiciário, aprovaram a seguinte Diretriz Estratégica para orientação da atuação do Judiciário em 2016, qual seja: “É diretriz estratégica do Poder Judiciário, e compromisso de todos os tribunais brasileiros, dar concretude aos direitos previstos em tratados, convenções e demais instrumentos internacionais sobre a proteção dos direitos humanos.”. 

 

Finalmente, em 2022, 30 anos após a ratificação do Pacto de São José da Costa Rica, o CNJ dispõe sobre a Recomendação nº 123, orientando os órgãos do Poder Judiciário brasileiro à observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.  

 

Assim, a ideia é que não apenas o STF promova a aplicação de tais tratados e dos demais atos normativo-convencionais da Corte Interamericana e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tais como, opiniões consultivas e decisões, mas também os tribunais e juízos iniciais devem se conduzir conforme recomendado pelo CNJ. 

 

Nessa perspectiva, a Recomendação do CNJ expressa uma preocupação com a efetividade dos direitos humanos (e fundamentais) no âmbito interno, consolidando a utilização de um “bloco de convencionalidade” mais amplo, sempre com a perspectiva de maior efetividade das normas e sistemas de direitos humanos. 

 

Diante da síntese que se fez até o momento, pode-se observar uma aparente evolução de interação entre os sistemas normativos internos e internacionais, e até de uma sensibilidade normativa maior por parte do Poder Judiciário nas questões de direitos humanos.  

 

No entanto, quando se trata de grupamentos de nacionais sem representatividade adequada no espaço político, caso dos povos indígenas, a aplicação das normas convencionais e da jurisprudência da Corte Interamericana não tem sido amplamente avocada pelos tribunais brasileiros, especialmente na questão da demarcação de terras indígenas e a proteção dos direitos culturais e identitários de tais comunidades. 

 

A própria Corte Interamericana publicou em 2022 o seu “Caderno de Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos nº 11: povos indígenas e tribais”, que faz referência a várias decisões que envolvem direitos indígenas e que poderiam ser tomadas como parâmetros de validade das decisões judiciais, legiferantes e administrativas dos poderes públicos no Brasil, no momento em que diversas comunidades indígenas sofrem com a morosidade do governo federal brasileiro e com a escalada de conflitos por conta dos processos de demarcação de terras. 

 

A título de exemplo de um parâmetro normativo efetivo para aplicação interna na questão da demarcação de territórios indígenas tem-se o “Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua”, cuja sentença da Corte Regional data de 31 de agosto de 2001 dispõe: 

 

“Os indígenas pelo fato de sua própria existência têm direito a viver livremente em seus próprios territórios; a relação próxima que os indígenas mantêm com a terra deve de ser reconhecida e compreendida como a base fundamental de suas culturas, sua vida espiritual, sua integridade e sua sobrevivência econômica. Para as comunidades indígenas a relação com a terra não é meramente uma questão de posse e produção, mas sim um elemento material e espiritual do qual devem gozar plenamente, inclusive para preservar seu legado cultural e transmiti-lo às futuras gerações”. 

 

Para além das normas, diretrizes e recomendações, os que decidem pela vida ou pela morte dos indígenas precisam compreender que a vida é mais valiosa do que a economia, ou como diz Ailton Krenak: “Se os humanos estão em risco, qualquer atividade humana deixa de ter importância. Dizer que a economia é mais importante é como dizer que o navio importa mais que a tripulação. Coisa de quem acha que a vida é baseada em meritocracia e luta por poder”. 

 

Assim, para celebrar apropriadamente o Dia dos Indígenas poderíamos inicialmente ampliar as ações sobre a concretização de seus direitos e garantias fundamentais, amparados pelos direitos humanos que ratificamos com o ânimo (princípio) de boa vontade objetiva e colaboração internacional, unindo o que “a cabeça pensa e o coração deseja” com as obras que dignificam a espécie humana em cada um de seus representantes, sem qualquer discriminação. Uma obra hercúlea, mas que vale a pena viver por ela. 

 

*Marcus Pinto Aguiar, Mediador de conflitos (NUPEMEC/TJ-CE), Advogado. Doutor em Direito Constitucional com pós-doutorado pela UNB/FLACSO Brasil. Professor da Faculdade 05 de Julho (F5) e do Mestrado em Direito da UFERSA, membro-fundador do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCUlt) 

 

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