“Você sabe, o que eu quero dizer não está escrito nos outdoors. Por mais que a gente grite, o silêncio é sempre maior.”
Além dos outdoors – Engenheiros do Hawaii
Esta foto de autor desconhecido está licenciada em CC BY
A pauta da vez no setor cultural ainda é a lei Aldir Blanc. E não poderia ser diferente, já que Municípios e Estados têm o prazo surreal de 60 e 120 dias, respectivamente, para fazer o dinheiro chegar na ponta, amparando um setor que já não aguenta mais esperar.
No entanto, não é sobre isso que quero falar hoje. A minha provocação hoje é olhar além, para o que virá depois que a onda da Aldir Blanc baixar. Hoje quero falar sobre os próximos passos do setor cultural frente à gestão e à política pública de cultura do país.
E não há como falar sobre isso sem lembrar que, há oito anos, a Constituição Federal foi alterada para incluir o artigo 216-A e, assim, criar o Sistema Nacional de Cultura – SNC. E há exatamente oito anos, a lei que lhe regulamentaria e que é de elaboração obrigatória (vide §3º do 216-A), efetivando-o na prática, nunca foi feita.
O fato é que o SNC, que deveria ter um caráter colaborativo, descentralizado (item fundamental na implementação da Aldir Blanc, por exemplo) e participativo, teria, de acordo com a Constituição, o papel de instituir uma gestão das políticas públicas de cultura para que estas fossem (muita atenção agora) permanentes e democráticas.
Sim, a ideia do SNC era transformar a política pública de cultura em uma política de Estado e não de governo, que muda de quatro em quatro anos. Isso porque a política pública de cultura não é uma mera “faculdade” do Poder Público, mas sim um dever seu, pelo simples fato de o direito à cultura (ao acesso, à fruição dos bens culturais, ao fazer cultural etc.) ser um direito fundamental previsto na Constituição Federal.
E se a regulamentação do SNC servir para, finalmente, fazer com que a política pública de cultura se torne permanente (e não intermitente ou terceirizada para o mercado, como ocorre quando se tem o mecanismo de incentivo fiscal da Rouanet como único instrumento de fomento à cultura), então me parece que deve ser a elaboração da sua lei regulamentadora a próxima e principal pauta do setor cultural.
E não, não falo isso com a inocência no poder da lei de “transformar o mundo”. Leis não mudam nada. O que muda o mundo são pessoas, que podem fazer essas leis serem criadas, aplicadas e, aí sim, transformar o que está posto.
É certo que o simples fato de existir uma lei regulamentadora do SNC não significa necessariamente que ele passará a funcionar de forma plena e eficaz. É só olhar para o cenário federal e perceber que sequer um Ministério da Cultura existe para ser o seu órgão gestor nacional. No entanto, a existência dessa norma, que estabeleceria regras previamente definidas sobre como a política pública de cultura deveria funcionar, com certeza serviria de fundamento para exigir do Poder Público uma atuação na área cultural mais permanente, descentralizada e participativa.
Uma luta pela elaboração de instrumentos de fomento variados e permanentes, para além do incentivo fiscal; pelo obrigatório repasse Fundo a Fundo, tão almejado quando da criação do SNC e que põe em prática a descentralização dos recursos; para o estabelecimento de regras jurídicas próprias para a política pública de cultura, que não tenha que se valer de bengalas normativas (inadequadas) para fazer o fomento acontecer.
Não, a lei do SNC não vai mudar o mundo. Mas com certeza tem potencial para levar a luta pelo direito à cultura para outro patamar: o da institucionalidade.
Cecilia Rabêlo
Advogada na área de Economia Criativa, Mestre em Direito, Especialista em Gestão e Política Cultural
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