Mário Pragmácio e Cecilia Rabelo*

Para o setor cultural, definitivamente, o ano não começa agora. Quem está na gestão pública de Cultura das cidades ou nos movimentos e organizações que fizeram o Carnaval de 2025, sabe que ele já começou há bastante tempo, com muito trabalho, suor e resultados.
Uma estimativa realizada pelo Ministério do Turismo – com base em dados das secretarias de turismo estaduais e da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – avaliou um faturamento de R$ 12 bilhões em todo o país.
Mas, passado o período momino (que não é o marco inaugural), inicia-se a temporada de capacitação e formação das novas equipes gestoras de Cultura dos municípios, muitas delas recém-empossadas. A formação é uma preocupação antiga das políticas culturais brasileiras, tendo inclusive previsão constitucional no desenho do Plano e do Sistema Nacional de Cultura, os quais prescrevem, respectivamente, a “formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões” (art. 215, III, da CF/88) e a necessidade de implementar “programas de formação na área da cultura” (§ 2º, VIII, do art. 216-A da CF/88).
Há diversos tipos de formação, das mais básicas às mais técnicas, promovidas por universidades, escolas de governo ou entidades privadas, todas com o intuito de qualificar profissionais para atuar nas políticas culturais, sejam conselheiros, gestores ou agentes culturais. Porém, uma categoria é frequentemente esquecida nesses processos formativos: as assessorias jurídicas.
A importância de capacitar as assessorias jurídicas dos municípios está diretamente ligada à complexidade do ordenamento jurídico brasileiro e às recentes mudanças legislativas no campo da cultura trazidas a reboque das Leis Emergenciais, tais como a Política Nacional Aldir Blanc, a Lei do Sistema Nacional de Cultura e o novo Marco Regulatório do Fomento.
Essas normas – principalmente a última - alteram significativamente a forma como os municípios devem estruturar os seus editais, firmar parcerias e executar recursos públicos destinados ao setor cultural.
A atuação das procuradorias municipais e demais assessorias jurídicas é crucial para garantir que os gestores possam implementar políticas culturais com segurança jurídica, evitando entraves burocráticos desnecessários – como já denunciava Marilena Chauí, no clássico livro “Cidadania Cultural – O Direito à Cultura” acerca do constante “bloqueio jurídico” - e assegurando a correta aplicação dos recursos.
A capacitação desses profissionais não permite apenas que as novas leis sejam interpretadas de forma alinhada aos princípios da administração pública, garantindo mais transparência e eficiência nos processos, mas sobretudo para compreender a nova “cultura jurídica” trazida pelo Direito Administrativo da Cultura.
As assessorias jurídicas especializadas precisam compreender esses novos marcos legais, especialmente conhecer profundamente o novo regime jurídico próprio da Cultura e seus instrumentos. Por exemplo, não é mais possível utilizar a (velha ou nova) lei de licitações quando um município estiver realizando fomento, pois há uma vedação explícita trazida pelo novo Marco Regulatório do Fomento à Cultura.
Sem uma assessoria jurídica preparada para lidar com os novos ditames dos direitos culturais, os municípios correm o risco de perder oportunidades de financiamento, cometer erros na formalização dos instrumentos jurídicos e enfrentar problemas na prestação de contas, o que pode gerar devoluções de recursos e até responsabilização de gestores. A capacitação desses profissionais, portanto, não é apenas desejável, mas essencial para que a política cultural avance de maneira sustentável e eficaz.
Algumas iniciativas pontuais já evidenciam a necessidade de sensibilizar esse mundo jurídico que apoia o setor cultural. No final de 2023, por exemplo, o Ministério da Cultura e a Advocacia Geral da União promoveram o Seminário “Direito e Cultura”, com a presença da Ministra Carmen Lúcia do STF; em 2024, a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, promoveu o Seminário “Cultura e Direito do Ceará”, com a presença do Ministro Teodoro Silva Santos do STJ. Mas ainda são iniciativas pontuais.
É importante pensar num programa de formação continuada e capilarizada, pois mudar a cultura jurídica e suprir a lacuna de formação dos cursos de graduação em Direito não é tarefa fácil.
Dessa forma, ao pensar em qualificação para a área cultural, é fundamental incluir os profissionais do Direito que atuam na administração pública. São eles que darão suporte técnico para que os gestores possam tomar decisões seguras e inovadoras, garantindo que os novos marcos legais da cultura sejam implementados da melhor forma possível. A cultura precisa de gestores capacitados, mas também de assessores jurídicos preparados para transformar boas ideias em políticas públicas viáveis e sustentáveis.
Mário Pragmácio, advogado, professor de Legislação de Incentivo à Cultura do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense
Cecilia Rabelo, advogada, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público e em Gestão de Políticas Culturais
Comments