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As relações entre Brasil e China começaram no início do século vinte, mas têm se fortalecido no século atual. Com a inserção do Brasil no grupo dos países que formam o BRICS (Brasil, Rússia, China e África do Sul), é crescente a cooperação comercial entre os dois países. De modo que, do início deste processo em 2006 até o ano de 2009, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil.
Mas, para além das relações comerciais, também há um aumento do interesse brasileiro em diferentes aspectos da cultura chinesa. Assim, há cada vez mais estudos sendo produzidos sobre a China, embora a popularização destas pesquisas seja um fenômeno relativamente recente. Seria no mínimo curioso que o Brasil conhecesse tão pouco sobre a China, um país tão relevante no atual cenário internacional.
Falando especificamente sobre o setor audiovisual, a China tem apresentado perspectivas bastante promissoras para a indústria cinematográfica. Em 2016, tornou-se o país com o maior número de salas de cinema do mundo e, apenas quatro anos depois, alcançou a posição de maior mercado cinematográfico do planeta 1. Mesmo assim, as produções chinesas ainda enfrentam uma certa dificuldade para ganhar as telas no exterior.
Em relação ao Brasil, estas adversidades estão diretamente relacionadas à presença do cinema estadunidense que predomina nas salas de cinema brasileiras. Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), no ano de 2019, de cada dez filmes mais vistos nas salas de cinema brasileiras, nove eram produções de Hollywood e havia apenas um filme nacional (Nada a Perder 2)2.
Esta realidade não representa a grande diversidade étnica e cultural brasileira, que também é formada pela imigração chinesa. Em 1890, o governo republicano brasileiro promulgou o Decreto nº 528 para regularizar a introdução de imigrantes no solo nacional. Mas à época a política de imigração brasileira era racista e restringia a entrada de imigrantes da Ásia e da África no país.
Por outro lado, o mesmo decreto incentivava a entrada dos imigrantes europeus. Dois anos depois, com a aprovação da Lei nº 97, foi permitida a entrada de imigrantes chineses e japoneses no Brasil. A chegada dos primeiros chineses só aconteceu de fato no dia 15 de agosto de 1900 3.
Uma das iniciativas para dar mais visibilidade à cultura chinesa no cinema brasileiro surgiu em 1 º de setembro de 2017, com o Acordo de Coprodução Cinematográfica entre China e Brasil 4. O acordo prevê que as coproduções realizadas por empresas brasileiras e chinesas terão tratamento nacional em ambos os territórios, com acesso aos mecanismos públicos de financiamento disponíveis nos dois países, sendo considerados produtos nacionais nos respectivos mercados.
Apesar de ainda não estar em vigor, um desdobramento de sua assinatura foi a exibição, naquele mesmo ano, do filme brasileiro Nise – O Coração da Loucura, dirigido por Roberto Berliner, estreou em seiscentas salas de cinema chinesas. Assim, Nise tornou-se o primeiro filme brasileiro distribuído comercialmente na China 5.
Além desta iniciativa, também aconteceu o lançamento do documentário Canções em Pequim (2018) 6, da cineasta Milena de Moura Barba. Ao entrevistar personagens reais que conheceu em sua vivência na capital chinesa, Milena mostra com delicadeza como a música e o cinema podem tocar e conectar pessoas em todas as partes do mundo.
Outro filme recente é A Ponte de Bambu (2020) 7, do documentarista Marcelo Machado, que conta de forma bastante intimista e sensível a história do jornalista Jayme Martins e de sua família, que emigraram para a China nos anos de 1960. A película trata sobre as intensas transformações da China naquele período, e como as mudanças afetaram os protagonistas do filme.
Em setembro de 2021, dentro da programação do Café Filosófico, promovido pela TV Cultura e pelo Instituto CPFL, houve uma aula da professora Cecília Mello, do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da USP, na qual apresentou um panorama do cinema da China. Em menos de trinta dias, a aula “Gerações e Geografias do Cinema Chinês” 8 já obteve mais de 2.600 visualizações, demonstrando o interesse crescente do público pela produção audiovisual da China.
O evento integra a quinta edição do “Intercâmbio Brasil-China”, que “pretende construir cooperações, diálogos e mediações entre as culturas chinesa e brasileira”. O Instituto CPFL promove a Mostra de Cinema Chinês 9, com a curadoria e a apresentação do artista e produtor cultural Alê Amazônia, que selecionou dez filmes clássicos chineses, disponíveis gratuitamente no canal do YouTube do Instituto CPFL, com legendas em português. Em novembro começará a 6ª Mostra de Cinema Chinês de São Paulo, organizada pelo Instituto Confúcio, na Unesp 10.
Várias plataformas surgiram nos últimos anos com a missão de pesquisar e divulgar a China. Uma delas é a Observa China 11 na qual um dos autores deste texto atua como diretor. Através dela, foram realizados mais de 80 eventos online e gratuitos entre 2020 e 2021, contando com palestrantes que variam entre embaixadores, professores, empresários e, claro, artistas. Ademais, outras iniciativas, como o Gechina-Asialac UnB 12, o Momento China 13, o Radar China 14, o Sabe a China? 15 e a Shūmiàn 16, dentre tantas. A ideia é aproveitar esse momento em que tanto se fala sobre a China para ampliar as informações sobre diferentes aspectos da cultura chinesa.
O ano de 2020 foi difícil para os chineses, inclusive para aqueles que vivem no Brasil devido às recorrentes manifestações de sinofobia e episódios criminosos de xenofobia. Porém, é possível que passada esta onda de ódio, o intercâmbio entre as culturas possa representar uma possibilidade de aproximação entre o Brasil e a China. Nos momentos de crise, a arte costuma ser utilizada como ferramenta diplomática na aproximação de povos. E a cultura audiovisual, seja nas telonas do cinema ou nas telinhas dos celulares, certamente pode desempenhar um papel de destaque nesse processo.
Gilmara Benevides – Doutora em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduada em Direito e História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro da Association of Critical Heritage Studies (ACHS). Membro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Professora do curso de Direito das Faculdades Integradas do Ceará (UniFIC).
Paulo Menechelli – Doutorando e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisa a diplomacia cultural da China, em especial o uso do cinema como instrumento do soft power cultural chinês. É secretário-geral do Centro de Estudos Globais (UnB), editor da Revista Mundorama e cofundador e diretor de programas da rede Observa China.
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