Crédito: Pixabay
Quem já foi vítima de plágio conhece, por experiência própria, o sentimento despertado. É uma ação invasiva que se apropria de forma indevida e inesperada de um conteúdo resultante da criatividade e do trabalho daquele que verdadeiramente o originou.
Isso pode ratificar a existência dos chamados direitos morais, os quais respaldam a relação umbilical entre o autor e a obra. Essa conexão entre criador e criatura, destaque-se, é legado do Iluminismo, sobretudo do sistema de direito autoral francês, o droit d’auteur, que influenciou diretamente a legislação brasileira.
No Brasil, a cada semana, inflamado por fãs ou haters, surge uma nova discussão sobre possíveis casos de plágio nas redes sociais, indo de “Black Sabbath copiando a melodia de Vanusa” [1] até “1899 plagiando Black Silence” [2]. Isso gera bastante ruído, claro, mas é sempre uma boa oportunidade para se debater publicamente os limites dos direitos culturais referentes à criação em relação à proteção autoral.
No livro “Direitos Autorais”, disponível em Creative Commons [3], Sérgio Branco e Pedro Paranaguá narram um caso emblemático de suposto plágio entre duas obras literárias que serve de exemplo para muitas questões contemporâneas, principalmente aquelas que aparecem com frequência na internet.
É o caso de o “Max e os Felinos” (1981) e “Life of Pi” (2001), escritos, respectivamente, pelo brasileiro Moacyr Scliar e pelo canadense Yann Martel. Algumas pessoas podem se lembrar do filme homônimo “Life of Pi” (2012), vencedor de quatro estatuetas do Oscar, incluindo melhor direção para Ang Lee. Mas a controvérsia aqui analisada ocorreu uma década antes dessa adaptação para obra audiovisual, quando o livro do canadense ganhou o prestigiado Booker Prize¸ conhecido como o “Oscar da literatura de língua inglesa”.
Para aprofundar esse caso-referência de Sérgio Branco e Pedro Paranaguá, vale trazer a versão de Scliar sobre o caso, a qual está estampada no livro “Max e os Felinos” editado em 2013 pela L&PM (Porto Alegre), que é uma verdadeira lição sobre direitos autorais. Scliar dedicou algumas páginas iniciais dessa edição para apresentar a sua visão sobre o famigerado caso de plágio. Para quem não tiver acesso ao livro, vale assistir à entrevista promovida pela própria editora porto-alegrense, disponível no Youtube que sintetiza bem o que Scliar pensa sobre a “A controvérsia de Max e os Felinos e Life of Pi”.
Uma informação importante; “Max e os felinos” foi traduzido para o inglês nos anos noventa, “Max and the cats” (New York, Ballantine Books, 1990), o que é relevante para se levantar a hipótese acerca do possível acesso de Yann Martel à obra.
Segundo Scliar, “o texto de Martel é diferente do texto de Max e os felinos. Mas o Leitmotiv é, sim, o mesmo. E aí surge o embaraçoso termo: plágio”. Depois de narrar toda a controvérsia internacional sobre o tema, o escritor gaúcho traz talvez a lição mais importante sobre Direito de Autor, qual seja, a de que a ideia não é protegida. A ideia é livre.
Utilizar uma ideia, a rigor, não é plágio. É muito comum na história da literatura, segundo explica Scliar, que escritores se valham de ideias contidas em outras obras literárias para desenvolver suas próprias criações.
Na verdade, o que incomodou o escritor brasileiro, no momento em que soube do caso, foi uma declaração de Martel, que posteriormente veio a se arrepender, de que se tratava de uma boa ideia estragada por um mau escritor brasileiro.
Depois de um alvoroço sem precedentes, Moacyr Scliar declarou que não processaria Martel. Além de tudo que envolvia a questão estética da obra, um processo judicial representaria um esforço imenso para Scliar, pois deveria ser ajuizado em terras estrangeiras, o que de certa maneira decepcionou muita gente, sobretudo a imprensa, que ansiava por novos capítulos desse imbróglio.
Sobre esse frisson da mídia, vale um último comentário. Scliar escreveu que “um livro chega ao noticiário de duas maneiras. Pode ser através de um artigo crítico ou de uma resenha. Mas, se for dessa maneira, pode-se ter certeza de que a repercussão será limitada. Barulho mesmo faz o succès de escandale”.
O plágio rende; o plágio é pop.
Mário Pragmácio, Doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional (PUC–Rio), Professor do Departamento de Artes e da Pós-graduação em Cultura e Territorialidades da UFF e Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)
Notas
[3] Disponível em https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2756/Direitos%20Autorais.pdf
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