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Pensar no futuro: Atitudes cooperativas num cenário transnacional


Svalbard Global Seed Vault, o Cofre Global de Sementes


Zero Visibility Corp.


O ato de pensar o futuro é um objetivo perseguido pelos governos de cada país. Mas, além dos governos de Estado, simultaneamente os agentes do capitalismo também têm pensado sobre o futuro. Estes imponderáveis da vida real modificam as sociedades de fora para dentro, a partir da imposição de novas práticas, de forma programada.


Por isso, nesta época de pós-verdade, as redes sociais substituem os veículos de informação tradicionais, ainda que a divulgação de notícias falsas não seja uma novidade. Logo, é possível perceber que a deturpação da análise dos fatos históricos tem funcionado como um ataque indireto à educação escolar formal.

Além disso, nos últimos anos, alguns grupos conservadores impingiram uma crescente criminalização da liberdade artística nos países democráticos. Ao mesmo tempo, no campo científico, a militância dos movimentos negacionistas ganhou uma incontestável projeção. Por exemplo, em 2021, durante as campanhas mundiais de vacinação contra a Covid-19, o movimento antivacinas arregimentou multidões nos Estados, inclusive nos países com recursos financeiros suficientes para comprar e/ou produzir vacinas.


Em resumo, os ataques simultâneos e recorrentes à Educação, Cultura e Ciência, cometidos por indivíduos e grupos que utilizam as redes sociais como meio principal de divulgação de suas ideias, surgem com o intuito de modificar o que pensamos sobre o passado no presente, a fim de controlar o futuro. Na segunda metade do século passado, o escritor inglês George Orwell (1903-1950) mencionara que “quem controla o passado controla o futuro, quem controla o presente, controla o passado” (1).


Porém, a realidade que agora se impõe exige – ao contrário das ações individualistas – maiores atitudes cooperativas, num cenário cada vez mais transnacional. Por suposto, a escassez global de alimentos é um problema urgente para as gerações atuais, decorrentes de diversos fatores: desastres naturais, mudanças climáticas, conflitos armados, mudanças políticas bruscas, má gestão ou quaisquer outras circunstâncias cujos resultados serão momentâneos ou permanentes.


Para amenizar os efeitos da escassez de alimentos, desde meados da década de 1980 há movimentos para salvaguarda de sementes de plantas para a alimentação e agricultura. A Índia é o país pioneiro a partir do movimento Beej Bachao Andolan (Movimento Salve as Sementes) (2), liderado pelo pequeno agricultor e ativista Vijay Jardhari (3). Desde então, Jardhari tem defendido os conhecimentos ancestrais e as práticas agroecológicas indianas nos bancos de sementes, prevendo as dificuldades no futuro.


O governo da Índia construiu o seu cofre de sementes em 2010, através do Instituto de Defesa de Pesquisas em Alta Altitude (DIHAR) (4) e do Escritório Nacional de Pesquisa Genética de Plantas (5)


O cofre de sementes indiano é o segundo maior do mundo, enquanto que o banco de sementes brasileiro, Banco Genético da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (6), é o quinto maior do mundo.


O maior depósito de sementes do mundo foi inaugurado em 2008, o Svalbard Global Seed Vault (SGSV) (7) ou Silo Global de Sementes de Svalbard. Apesar de situado e gerenciado pelo governo norueguês, o silo é de uso gratuito e faz parte do sistema internacional de conservação da diversidade genética de plantas, orientado pela Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura (FAO).


O banco de sementes, projetado para um futuro a longo prazo, foi pensado de modo estratégico para salvar o patrimônio genético em caso de uma catástrofe alimentar global. De modo que, além de países, também há comunidades indígenas que depositam suas sementes no cofre. Os representantes da área de preservação do patrimônio biocultural Parque de la Papa (8), no Peru, guardaram 750 mostras diferentes de batatas. A nação Cherokee protegeu nove amostras de safras precedentes à colonização europeia nos EUA.


Hoje, o banco de sementes de Svalbard, atua com um propósito humanitário: fornece um backup de sementes de plantas alimentícias a países que enfrentam sérias dificuldades, como a Síria. Em setembro de 2015, aconteceu a primeira retirada de sementes para repor um banco genético em Aleppo parcialmente destruído devido à guerra civil que se desdobra desde 2011.


As nações que participam deste esforço conjunto da comunidade internacional para o abastecimento alimentar no futuro assinaram o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura (9), no âmbito da ONU, aprovado em Roma em de 2001. O tratado foi assinado pelo Brasil em 10 de junho de 2002, durante mandato do então Presidente Luís Inácio Lula da Silva, conforme o Decreto nº 6.479/2008. O Brasil, país conhecido por suas vastas riquezas naturais e biodiversidade, já tem cooperado com o envio de três lotes de sementes para o silo global no período entre 2014 e 2020.


O arquipélago de Svalbard, onde se encontra o Silo Global de Sementes, é um território que apesar de estar sob a soberania norueguesa, também está sujeito a um regime específico multilateral de domínio internacional. Isto decorre do Tratado de Svalbard (10), que desde 9 de fevereiro de 1920, prevê o acesso aos recursos naturais da região e à proteção do patrimônio natural pelas partes contratantes. Svalbard tem sua importância geográfica e científica por ser o ponto habitável da Terra mais próximo ao Polo Norte.


Além disso, a Gestão do patrimônio cultural local está prevista na Lei de Proteção Ambiental de Svalbard. Tanto os monumentos culturais quanto naturais são entendidos como patrimônio cultural e identidade de Svalbard, inseridos em uma política abrangente de gestão ambiental. Dessa forma, os monumentos culturais anteriores a 1946 estão protegidos. Além dos vestígios de sepulturas humanas, incluindo cruzes e outras lápides, bem como ossos e fragmentos encontrados na superfície do solo ou abaixo dela, são protegidos automaticamente, independentemente de sua idade, inclusive contra o tráfico ilícito destes bens culturais (11).


Para celebrar o fato de que a Ciência e a Cultura caminham juntas, em 2018, durante as comemorações dos dez anos de funcionamento do Silo Global de Sementes de Svalbard, foi apresentado o espetáculo de dança Frozen Songs (12). No evento, promovido pelo Ministério da Cultura e o Ministério das Relações Exteriores da Noruega, a ideia era popularizar ao público em geral a conscientização sobre a importância dos recursos naturais para a produção de alimentos e, assim, de pensar o futuro.


Na performance elaborada pela coreógrafa Ina Christel Johannessen (13), sete dançarinos da companhia Zero Visibility Corp. inspiram-se nas mudanças climáticas, poluição e na sobrevivência das espécies. Para além da aparente tensão emocional da dança, em um momento específico, as sementes caem como uma chuva e cobrem o chão, favorecendo o entendimento de que a riqueza e a abundância dependerão da mudança da perspectiva humana acerca da gestão do patrimônio natural. Na fachada do Silo Global de Sementes de Svalbard encontra-se uma obra de arte luminosa, que remete à aurora boreal comum àquela região do ártico, intitulada Perpetual Repercussion, ou Repercussão Perpétua, de autoria da artista norueguesa Dyveke Sanne (14).

Gilmara Benevides – Doutora em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduada em Direito e História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro da Association of Critical Heritage Studies (ACHS). Membro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Professora do curso de Direito das Faculdades Integradas do Ceará (UniFIC).

1. ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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