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Proteção às criações artísticas: Girl From Rio e o direito à nominação



Anitta em clipe de Girl From Rio YouTube/Reprodução


Quando Anitta fez a primeira performance do seu mais recente trabalho, “Girl from Rio”, sentada no banquinho e acompanhada de violão no palco do Fantástico, nos créditos da música apareceram Antônio Carlos Jobim/Vinícius de Moraes/Stargate.


No mesmo programa, Anitta falou que a melodia contém um sample da música “Garota de Ipanema”, de Tom e Vinicius, sendo que a letra é, em parte, biográfica, pois fala do momento em que ela descobre ter um irmão por parte de pai, inserindo isso no seguinte trecho da composição: “just found out I have another brother, same daddy, but a different mother”.


O fato de a letra da música versar sobre o irmão de Anitta, vale ressaltar, não faz dela necessariamente autora. Mesmo não sendo o caso, seria plenamente possível, por exemplo, que outros criadores tenham feito essa menção “em nome” de Anitta. Seria, então, Stargate o(s) coautor(es) da música juntamente com Tom e Vinícius?


O banco de dados da ASCAP (American Society of Composers, Authors and Publishers) indica que a música é composta por Anitta e mais quatro pessoas (incluindo a dupla Stargate). Anitta é sim co-autora da música. Mas então, por que Anitta, pseudônimo de Larissa, não foi creditada como autora da letra? Será que o Fantástico errou?


Se o leitor olhar agora nos principais serviços de streaming, não vai encontrar referência à artista como autora da música, mas tão somente como intérprete.


Não é a primeira vez que os serviços de streaming erram nos créditos. Um exemplo é o caso da música “Onda Diferente”, que gerou uma grande desavença entre Anitta e Ludmilla. Mas isso já está resolvido, é coisa do passado.


A questão agora é outra. Poderia Anitta abrir mão do seu direito de nominação? É possível romper o cordão umbilical que conecta criador e criatura, autora e obra?


Depende na verdade de onde você está e em qual sistema de direito autoral você está filiado. Atualmente, há dois sistemas de proteção às criações artísticas vigentes no mundo; o sistema de copyright e o sistema de droit d`auteur. Os Estados Unidos seguem o primeiro, a escola anglo-americana; o Brasil segue o segundo, de tradição francesa.


Uma das principais diferenças entre ambos é que o sistema de copyright permite que negócios sejam realizados, independentemente dos chamados direitos morais de autor. Não é que não existam direitos morais no sistema de copyright, mas eles são muito mais atrofiados do que o sistema europeu continental.


O sistema francês de Direito autoral, que é o que o Brasil segue, considera o direito de nominação como um direito irrenunciável. O autor jamais pode abrir mão desse direito moral. É o que todo mundo já sabe, mesmo que não seja um especialista na matéria. É obrigatório dar crédito ao autor. Já faz parte, inclusive, do senso comum da produção cultural.


Apesar de toda a confidencialidade que envolve esse tipo de negócio internacional de música, não há dúvidas de que Anitta teve de negociar o sample de “Garota de Ipanema” com os titulares dos direitos autorais do clássico da Bossa Nova. A produção do projeto correria um risco desnecessário, caso optasse por seguir uma linha muito comum em algumas linguagens artísticas de que o sample, pela sua natureza, prescinde de autorização. Ela tem muito a perder para seguir essa linha.


E mais; pelo fato de ter uma excelente assessoria jurídica, Anitta muito provavelmente fez esse negócio em jurisdição americana, pois o sistema de copyright é muito mais permissivo nos acordos e contratos envolvendo obras intelectuais, inclusive permitindo que se abdique de figurar como coautora da obra nos créditos.


*Mário Pragmácio é professor do Departamento de Arte da UFF, conselheiro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), mestre em Museologia e Patrimônio, especialista em Patrimônio Cultural e doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional

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