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Os primeiros meses do ano são cruciais para a transição das gestões municipais de Cultura. Diversos municípios brasileiros vivenciam a “passagem do bastão” da política cultural local, que nem sempre é suave.
A troca do chefe do Poder Executivo, em especial, não é apenas uma alteração personificada, da pessoa do gestor, mas, por vezes, de todo um grupo político que, por pelo menos quatro anos, manteve-se na máquina pública e a geriu da forma como entendeu adequada.
Esse movimento de saída de uma gestão para entrada de uma nova pode ser muito traumático e deixar consequências graves na administração da coisa pública. Não são raros os casos de falta de informações da gestão anterior para a nova, tornando o processo de transição demorado e penoso. Diante desse cenário, diversos entes federados criaram normas para regulamentar esse período tão delicado, buscando minimizar tais problemas.
No âmbito da gestão pública de cultura, o cenário não é diferente. São diversos os relatos de gestores culturais, especialmente no âmbito municipal, que simplesmente não receberam qualquer informação da gestão anterior, enfrentando sérias dificuldades para retomar a gestão cultural municipal.
A situação se torna ainda mais complexa com a chegada da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), prevista na Lei nº 14.399/2023, que repassou milhões de reais aos entes federados para ações de fomento à Cultura. De acordo com o Painel de Dados da PNAB do Ministério da Cultura, dos R$ 3 bilhões repassados aos Estados e Municípios, R$ 769.356.411,00 foram efetivamente utilizados, com um percentual de execução de 7,9% para Estados e 39,95% para Municípios.
É certo que muitos fatores influenciaram a baixa execução dos recursos da PNAB, que vão desde a já conhecida escassez de pessoal e infraestrutura administrativa nas Secretarias de Cultura, até as dificuldades mais recentes, tais como a complexa adaptação do fomento público à Cultura ao novo regime jurídico próprio previsto no Decreto do Fomento (Decreto Presidencial nº 11.453/2023) e no Marco Regulatório do Fomento à Cultura (Lei nº 14.903/2024).
No entanto, no meio de tudo isso, algo chama bastante atenção: o impacto residual das eleições municipais de 2024 na execução dos recursos da PNAB em 2025.
Assumir a pasta municipal de Cultura sem qualquer informação advinda da gestão anterior, com os agentes culturais exigindo o lançamento dos editais, divulgação de resultados de seleção ou pagamentos dos termos, com recursos nos cofres públicos e sem saber se o gestor anterior cumpriu devidamente as diretrizes legais para sua execução (ou sua devolução, quando for o caso) é, de fato, um grande desafio.
Apesar da Lei nº 14.399/2023 não ser clara quanto às possíveis sanções ao gestor público que não cumpriu as diretrizes legais de execução da Política Nacional Aldir Blanc (afinal, haverá aplicação de multa? O município não poderá mais receber os recursos?), é certo que a União fiscalizará, como já vem fazendo, a execução desses recursos e tomará as medidas legais para punir aquele que der causa a qualquer dano ao erário público.
Nesse sentido, cabe aos novos gestores públicos de Cultura tomarem todas as medidas legalmente previstas para se precaverem quanto a essas sanções. E um detalhe é importante: a omissão diante de possíveis irregularidades na aplicação do recurso também é motivo para sanção, ou seja, cruzar os braços não é uma opção viável. É preciso, portanto, se prevenir e agir de forma assertiva, evitando a responsabilização dos gestores e garantindo que o recurso público seja executado de forma idônea e eficiente, conforme planejado.
Com isso, tem-se não só o bom desempenho da execução dos recursos, que poderá trazer mais verbas no exercício seguinte, mas, principalmente, garante-se o pleno exercício dos direitos culturais dos agentes destinatários da PNAB e da comunidade local.
Cecilia Rabelo, Advogada, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais – IBDCult. Mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público e em Gestão de Políticas Culturais
Mário Pragmácio, Advogado, professor de Legislação de Incentivo à Cultura do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense
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